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Minhas memórias do festival folclórico coariense (1976–1993)

Festival logo

Nessa postagem poderemos viajar juntos nas minhas memórias do festival folclórico coariense nos anos dourados.

festival folclórico

As primeiras manifestações dos folguedos folclóricos coarienses aconteceram durante toda a primeira metade do século XX. Durante esse período, ocorriam nos terreiros da frente das casas, apresentações do bumba-meu-boi do cearense França, o boi Prata-fina do seo Ioiô, e as pastorinhas. Contudo, o primeiro Festival Folclórico de Coari só foi organizado em 1972, pelos representantes de classe da Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, sendo um sucesso e com participação de outras escolas, pastorais, grupo de jovens etc.

Quando eu era criança, com 4 anos, tenho lembrança do primeiro festival que eu assisti. O local onde tudo acontecia, era a praça São Sebastião, quase em frente de nossa casa. Era um tablado alto, construído em madeira, onde se dançava todas as brincadeiras.

Eu fui assistir ao festival com a moça que cuidava de mim. Ela adorava ver acontecimentos da cidade e me levava para todos os lugares movimentados. Recordo a primeira cena que ficou em minha mente, a apresentação da Tribo dos “Ajurimáuas”. Lembro até hoje daquela cena pujante. Foi muito curioso ver um grupo de jovens fantasiados com trajes indígenas com muitas penas de pássaros. Eles dançavam de maneira coreografada, batendo um bastão nas taboas do tablado, ao som de apitos e gritos indígenas.

Não lembro de sentir medo, apenas muita curiosidade e fascínio por ver pela primeira vez a manifestação de nossa cultura coariense e acredito que não tinha noção do que estava acontecendo. Só é possível perceber a partir desse olhar do futuro, que eu sabia que eu estava fascinado por ver aquela linda apresentação.

Em 1987, eu estava com 14 anos e junto com os colegas de aula, assistimos todas as noites ao Festival Folclórico de Coari. Agora o palco era outro, a quadra de esporte São José da escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que era simplesmente conhecida por “Quadra do Colégio”.

Eu esperava até mais tarde para ver as apresentações do boi-bumbá Corre Campo e do estreante boi-bumbá Garantido. O Corre Campo foi fundado em 1986 e o Garantido em 1987.

O boi-bumbá Corre Campo usava as cores vermelha e branca, e o boi era preto. Ele possuía uma apresentação muito tradicional com uma vaquejada bem aguerrida, ritual de matança e ressuscitação do boi, personagens tradicionais do folguedo como Pai Francisco, Catirina e Cazumbá.

O boi-bumbá Garantido em Coari era um folguedo que usava as cores azul e branco, o boi era branco. A grande novidade do ano de 1987 foi as toadas vindas de Parintins, muito ritmadas e com letras que ficavam em nossa mente.

Festival

♫♫ Mas quem é Garantido,
levanta o braço!
Eu sou! Eu sou!
É o Boi do Povão e canta comigo
Oh, oh, oh! E vai ser campeão!
♫♫

♫♪ Oh lê lê oh lê lê oh lá lá
É de boi, é de boi-bumbá
Oh lê lê oh lê lê oh lá lá
Como é o nome do teu boi bumbá
“Garantido” Olê lê lê oh lá lá
♪♫

Festival

Era de certa forma, um bom uso das toadas de Parintins, às vezes onde estava escrito vermelho, eles trocavam por azul, devidos às cores do Garantido de Coari.

Nesse festival folclórico de 1987, ainda não havia disputas por categorias, todos os folguedos disputavam entre si. Concorriam boi-bumbá com lendas, danças, quadrilhas, etc. E quem tivesse o maior número de pontos, seria declarado o campeão.

Nesse ano houve uma apresentação que ficou marcada na história de nossa cidade, a inesquecível dança da escolha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro: Balé Indígena. Foi uma intensa movimentação e composição coreográfica, uma música contagiante, sincronismo nunca percebido em nossas danças, e principalmente, a dança clássica sendo executada por indígenas em um ritual maravilhoso. Fiquei boquiaberto com aquela apresentação. Quem assistiu ao “Balé Indígena” produzido e coreografado por Nivaldo Moura guarda até hoje aquele espetáculo clássico executado no meio da selva amazônica.

Festival Coari
Nivaldo Moura – em 1997 fazendo apresentação solo na Dança Cigana

No final, o “Balé Indígena” teve mais pontos do que os dois bois-bumbás e que as demais danças, sagrando-se o campeão daquele inesquecível festival folclórico de 1987.

No ano de 1988, o festival de Coari teve um tema muito peculiar, pois foi o centenário da libertação dos escravizados no Brasil. O Colégio (ENSPS) trouxe para a quadra São José a Dança Afro-brasileira sob a produção e coordenação do professor Antônio Mariano. Naquele momento, aconteceu uma grande celebração da cultura afro-brasileira em terras coarienses.

A grande Senzala com uma placa escrita “Homeless” (sem-teto) era a principal alegoria daquele folguedo folclórico, era o local onde os personagens saíam para suas apresentações. Tenho a lembrança que o ápice da festa foi as encenações do Augusto César Pica-pau, sua irmã Maria e do professor Mariano representando as incorporações de entidades das religiões Afro-americanas (Candomblé e Umbanda).

Os homens entravam em fila indiana fazendo coreografias ritmadas que traziam a representação da cultura africana através de movimentos tradicionais ao som de músicas como “Madagascar Olodum” da banda Reflexus:

♫♪ E viva Pelô Pelourinho
Patrimônio da humanidade ah
Pelourinho, Pelourinho
Palco da vida e negras verdades
E protestos, manifestações
Faz o Olodum contra o Apartheid
Juntamente com Madagáscar
Evocando igualdade e
liberdade a reinar
♪♫

Madagascar Olodum — Banda Reflexus

A indumentária do cordão para os homens era calças brancas, faixa vermelha no peito, fita na cabeça, uma fita larga na cintura, uma ráfia (fibra têxtil de palmeiras) vermelha nas mãos e um escudo com fundo preto, desenhos afros em branco.

festival folclorico
Xilogravura: Eros Alfaia

As mulheres nos deixaram uma forte lembrança de uma entrada emocionante e inesquecível. Usavam um vestido branco com detalhes na barra, mangas com detalhes em vermelho e ráfia em vermelho. No cabelo elas usavam turbantes que expressavam a realeza da mulher africana. Contudo, o mais marcante, foi a entrada com a coreografia cadenciada ao som da música “Eu Só Peço a Deus” de Beth Carvalho e Mercedes Sosa:

Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário, sem ter feito o que eu queria

Eu Só Peço a Deus — Beth Carvalho e Mercedes Sosa

No momento final, entraram três meninos pintados de óleo queimado, segurando uma caravela em miniatura nas mãos, ao som da música “Zumbi” do Grupo Agreste.

No sacolejo do navio que cheguei aqui
Meio vivo meio morto foi que eu senti
O meu corpo lá jogado na pedra do porto
Meio vivo meio morto mais não desisti

Zumbi — Grupo Agreste

Agora, podemos nos transportar para o ano de 1989. Nesse momento, eu tinha 16 anos e as lembranças são mais vívidas e os personagens muito ligados ao meu convívio escolar.

Uma dança regional que ficou muito marcada nesse festival de 1989 foi “O Lampião” da escola João Vieira. Havia uma característica muito forte naquela dança. Aconteciam combates faiscantes de terçados, tiros de espingardas, músicas puramente sertanejas.

Uma lembrança forte de 1989, foi a apresentação da lenda do Sol e da Lua da escola João Vieira. O texto tipicamente amazônico da lenda que procura explicar os fenômenos naturais através do imaginário indígena, repassado oralmente de geração em geração, foi usado através da dança e do teatro para que o público pudesse entender o enredo do folguedo. A professora Dalva representou a Lua e o professor Wilson Cavalcante interpretou o personagem Sol.

Uma típica história de Romeu e Julieta ou ainda feitiço de Áquila. Pois, no enredo eles são um casal indígena que vivenciaram uma história de amor, que era contra a tradição do Tupi-guarani. Eles foram punidos, transformados em astros estelares, e só se encontrariam duas vezes durante o dia, no pôr-do-sol e na alvorada. No final a professora Dalva entrava com uma fantasia de lua no lado esquerdo da quadra e o professor Wilson entrava com uma fantasia redonda, com luzes fortes representando o sol.

Festival

Voltaremos a relembrar os bois-bumbás coarienses com algumas novidades. O Garantido mergulha cada vez mais na cultura de Parintins, contudo, com as fantasias e capacetes mais elaborados e com acabamento profissional. O Corre-campo começa a importar alguns trajes típicos e de luxo. Contudo, o grande ápice foi a assessoria do artista plástico parintinense Jair Mendes. Pela primeira vez, os dois bois na evolução tiveram um acabamento moderno e com movimentos ilimitados.

Neste ano, uma alegoria muito comentada, foi a cachoeira do boi Corre Campo. Ela tinha movimento de águas que se movimentavam, os peixes pulavam como se fosse uma piracema. As pedras foram feitas com maestria, parecendo reais. Dentro da cachoeira, a jovem Cleidilene estava fantasiada de sereia, com seus longos cabelos negros, uma cauda de sereia bem elaborada, e sentada em uma pedra no fundo das águas olhando seu espelho. Uma cena inesquecível e um alumbramento na mente dos coarienses que ficaram comentando por semanas aquela apresentação.

A Miss Coari 1988, Silvana Soares, foi a miss do Boi-bumbá Corre Campo fazendo sua apresentação com traje de miss e faixa. Esse item do Boi-bumbá mais tarde se tornaria a Cunhã-poranga.

O Garantido também trouxe o seu exército de mulheres bonitas:

  • Gerlane Farias, a Miss do Boi Garantido. Ela tinha 15 anos e fez uma excelente apresentação. No ano seguinte, 1989, ela viria a ser a 1ª Rainha da Festa da Banana.
  • Mara Alfrânia, só de entrar na quadra já chamou a atenção de todos com seu traje branco e transparente denominado “deusa da Beleza”. Dois anos se passariam e Mara seria Miss Coari 1990 e Miss Amazonas 1991.
  • Cleomara Araújo, foi com um traje denominado “deusa do Amor”. Em 1992 ela se tornou Miss Amazonas em concurso realizado em Itacoatiara.
Rainha da Batucada do Estrelinha
Rainha da Batucada do Boi Estrelinha

Um momento que ficou marcado na apresentação do garantido foi a homenagem a Chico Mendes. Chico foi líder no embate contra o desmatamento e por reivindicar melhores condições de trabalho para os seringueiros em Xapuri, no Acre. Foi assassinado em 22 de dezembro de 1988, praticamente 6 meses antes daquele festival em Coari. O mundo ficava sensível às causas ecológicas. E na quadra São José se ouvia a música Argumento de Adelson Santos:

Em questões de Solimões fundamental
É saber que o negro não se mistura com amarelo
É saber que o negro não se mistura com amarelo
Não mate a mata
Não mate a mata
A virgem verde bem que merece consideração mais
A virgem verde bem que merece consideração
. ♫

O grande organizador e idealizador do Boi-bumbá Corre Campo foi professor Edvaldo de Souza, conhecido por todos como Catola, que na apresentação era o “Amo do Boi”. Lembro que nesse mesmo ano, fui assistir uma apresentação na quadra da Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Chagas Aguiar e aconteceu o ritual do tira a língua, que acontecia assim:

O Pai Francisco acabava de dar o tiro de morte no boi e o povo cantava animado:

♫♫ Chico tira a língua
Chico tira a língua
Chico tira a língua
Se quer tirar…. ♫♫

E o Pai Francisco respondia:

♫♫ A faca está cega,
A faca está cega,
A faca está cega
Não quer cortar…♫♫

Na sequência acontecia a repartição do boi. Houve um tempo em que as apresentações dos bois-bumbás foram restringidas ou proibidas. A repartição era uma forma de criar um bom relacionamento com a comunidade. No período da ditadura militar, em Manaus, os bois ofertavam as partes do boi aos poderes constituídos, para não correr o risco da censura.

Durante a repartição acontecia versos assim:

♫♫ Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar
Oh lé lê oh lá lá – Olha o boi que te dar
Eu pego no rabo e
dou para o delegado.
Eu pego no coração e
Dou para o Dr. João
Eu pego no peito e
Dou para o Prefeito ♫♫

Na parte final do auto do boi, acontecia a ressuscitação do boi-bumbá pelo pajé da tribo. O professor Wilson Cavalcante comandou o ritual, dançando e repetindo as palavras em tupi-guarani “Araxo (aratxó) Caramuru” como um mantra.

♫♫ Araxó Araxó
Araxó Caramuru
Araxó Araxó
Araxó Caramuru ♫♫

Araxó significa poderoso e Caramuru, filho do trovão. O mantra foi repetido em um ritual de pajelança, em que foi invocando o “Poderoso Filho do Trovão” fazendo o boi-bumbá Corre Campo voltar a vida.

No outro dia, na nossa sala de aula do 2º Magistério, repetíamos com alegria o mantra durante todos os intervalos das aulas. Georgeth Míglio, a minha estimada amiga, que fez eu gostar de poesia, comentou atualmente nas redes sociais:

O corre campo era o verdadeiro boi coariense! O Pajé Wilsão Cavalcante arrasava na pajelança! Aratxó caramuru…”.

Festival
Xilogravura: Daniel Maciel — 1989

Agora vamos para a parte final deste texto sobre as minhas memórias do festival folclórico de Coari. No ano de 1993, o prefeito era o Dr. Odair Carlos Geraldo. Meu amigo Osney Oliveira era o chefe do Departamento de Cultura e eu estava na coordenação organizadora do Festival. Então, eu participei mais ativamente de cada parte desta festa junina.

Foi um festival muito rico culturalmente. O cenário mudou para a quadra da escola Dom Mário, uma quadra grande, com medidas oficiais. Foi construído, pela primeira vez, alguns camarotes para que as pessoas pudessem assistir com um pouco mais de conforto. Eu ficava na mesa da coordenação ajudando em tudo, desde o cronômetro, até o julgamento de recursos e impugnações.

O Garantido começou com entradas individuais do apresentador Antônio Paulo Santos (Paulinho Marçal), César do Cavaco e José Willacy. Foi apresentado o tema e o enredo: “Histórias de Boi-bumbá”. Em seguida, houve a entrada a marujada do Boi-bumbá Garantido que teve uma apresentação com cadência e precisão. A rainha de bateria foi a jovem coariense Yomara Lira. Ela era uma modelo muito badalada em nossa cidade, estava com um corpo escultural e dançando muito bem. Foi uma excelente escolha para a abertura.

O enredo começou pela Grécia e tem como primeiro item, uma comissão de frente composta por um grupo de adolescentes vestidas de azul e branco, mais o núcleo principal integrado pelas 7 moças atenienses, que seriam entregues em sacrifício ao personagem mitológico Minotauro, em seu labirinto. Lembro de duas amigas que participaram, Manoela Dantas e Nalra Mirlene.

Tenho algumas lembranças que vem sempre na mente, de como cada amigo se comportava durante a sua apresentação. Como amiga Ruth Queiroz que representava com muita beleza a Miss do Boi Garantido, e mais tarde, em 1996 foi a vencedora do concurso Miss Coari mais concorrido da história dos concursos coarienses. A alegria da colega de aula Perpétua que dançava como porta-estandarte expressando um sorriso cativante deixando todos felizes ao vê-la bailando.

No segundo momento, houve a apresentação do boi Prata Fina demonstrando como começou a manifestação dessas brincadeiras juninas em Coari antes dos festivais. A filha do seo Ioiô, dona Rosa Esmeralda, cantou algumas toadas do Prata-Fina.

Algumas amigas foram destaques no Garantido. Nara Bastos entrou com um capacete muito lindo representando o sol. Lembro de passar por diversas vezes na frente de sua casa e um grupo de artistas trabalhavam na construção daquela indumentária. Ana Célia Oliveira entrou com um capacete grande e ela estava muito feliz, pois amava muito participar daquele festival.

Ana Creuza Fernandes realizou uma apresentação maravilhosa com seu traje de “Deusa da Beleza”. Era um traje branco e transparente e foi uma excelente combinação de fantasia e modelo. Em 1992, Ana Creuza fez uma apresentação primorosa, sendo destaque no concurso de Miss Coari.

A apresentação do Boi-bumbá Garantido em 1993 foi marcante devido à pesquisa bibliográfica do José Wyllace, que investigou sobre a história do Boi-bumbá até e criou base para a composição de suas toadas. Uma vez, vi ele pesquisando com nossa professora, Irmã Marília Menezes, que era filha do poeta e folclorista Bruno Menezes. Pela primeira vez o Boi-bumbá Garantido trouxe toadas inéditas, destacando a toada Jurupari, onde a sua mitologia é muito presente na região de Coari. Com as toadas esplêndidas e inéditas, sem cópias ou plágios, aconteceu uma grande evolução do Boi Garantido no Festival de 1993. Pela primeira vez, aconteceu o ritual de matança do boi e a sua ressuscitação.

Jurupari – Udi Oliveira

O Boi-bumbá Corre Campo apresentou o tema e o enredo “Cultura Indígenas”. Nesse ano de 1993, o boi de Chagas Aguiar modificou a maneira de contar seu enredo, visto que houve uma modernização em quase todos os itens apresentados. O primeiro item que logo se notou a diferença foi um pajé de ofício, que além de ser um excelente bailarino, ele era um estudioso da cultura dos pajés.

A batucada do Corre Campo possuía muitos instrumentistas e marcava com potência, ritmo forte, deixando um compasso mais acelerado. E assim, deixou mais intenso a apresentação do folguedo no Festival daquele ano. As figuras engraçadas e tradicionais do boi-bumbá Pai Francisco, Catirina e Cazumbá continuam sempre presentes durante toda a apresentação, trazendo uma dose de humor para os espectadores.

Festival
Batucada do Corre Campo

Lembro em especial de alguns itens: Maria José e seu lindo traje com costeira amarelo e preto. Minha Aluna, Patrícia Alves e seu capacete em homenagem à lua foi uma grata surpresa. Ela, naquela noite, parecia outra pessoa, deixando de lado a timidez e mostrando a alegria de dançar boi-bumbá. A professora Naraci Bastos, trouxe de Codajás às três finalistas do concurso Rainha do Açaí que fizeram uma demonstração de seus trajes típicos confeccionados da palha desidratada da palmeira do açaí. E finalizando, Eros Alfaia que entrou com seu capacete vermelho e branco fazendo uma coreografia indígena com vários passos tradicionais e muito efeito de fumaça.

Para a surpresa de todos, entrou na quadra uma figura típica amazônica, a imensa alegoria da Cobra-grande que percorreu toda a quadra, circulando entre os brincantes. A lenda da cobra-grande está muito associada à queda de terras nas margens do rio Solimões, pois o ribeirinho não tendo como explicar o fenômeno natural, atribui ao mito e seus personagens lendários a explicação através do movimento das cobras em baixo da terra.

Na sequência começou a apresentação dos principais itens do boi Corre Campo, as tribos indígenas e a Cunhã-poranga. As tribos foram o grande investimento do folguedo no festival daquele ano e foi onde mais existiu retorno. Foi uma grande quantidade de tribos terceirizadas do Boi Garanhão de Manaus, e 100 componentes divididos em 3 tribos, todos eram moradores do bairro Chagas Aguiar e suas indumentárias confeccionadas em Coari. A quantidade de tribos e a qualidade de suas coreografias e trajes fizeram a base para a grande evolução do Corre Campo naquele festival.

Na apresentação final, antes do ritual, entrou uma alegoria com a escultura de uma onça, o pajé e a Cunhã-poranga montada na onça. Foi o ápice da festa. A Cunhã-poranga fez uma apresentação que ficou marcada em toda a história dos festivais, pois a sua alegria em dançar era muito cativante. Era dona de um corpo que poderia ombrear com qualquer Cunhã-poranga parintinense daquela época. Ao som da toada do Arlindo Jr. composta especialmente para o Corre Campo, a rainha da beleza deixou um espetáculo de presente para a minha memória, que mesmo depois de 29 anos, não esqueci.

♫♫ Boi Corre Campo
Uma explosão de amor
Seu uru forte
Faz a galera vibrar
Campeão da terra…
Do meu boi-bumbá
Boi Corre Campo
Para sempre eu vou te amar ♫♫

Nesse momento, estou passando entre os brincantes, tirando dúvidas quanto ao tempo da apresentação para os dirigentes, quando sou puxado pelo braço, surpreso olho para ver quem seria… veio a linda imagem da Rainha do Açaí. Ela sorriu, me falou algumas coisas no ouvido. E após a apresentação do Corre Campo, saímos para apresentar a cidade a nossa visitante.

De repente, o leitor pode estar pensando — Poxa! Faltou aquela dança, as quadrilhas, os bois mirins etc… mas essas são as minhas memórias particulares, foi a forma como fui impactado pela nossa cultura no festival folclórico. Fica o desafio. Faça um texto narrando as suas memórias e como você foi impactado pela cultura coariense, que com muita felicidade publicarei no nosso site.

Tenho ainda duas cenas fortes do dia seguinte, dia da apuração. Uma ao passar na frente da escola João Vieira e observar as pessoas felizes comemorando. E a segunda, ao passar na frente da prefeitura e ver alguns brincantes do Boi Garantido queimando o Boi Prata Fina em protesto por perderem o primeiro festival. E depois disso, não tivemos mais um festival dos bois coarienses. Foi uma parte importante da nossa cultura, que agora se encontra apenas em nossas memórias. Foi um tempo que o vento levou.

Vídeo do Festival Folclórico Coariense — 1993

Galeria de Fotos

Agradecimento especial ao professor Eros Alfaia por ceder o seu acervo de pesquisa.

Archipo Góes

Saiba mais sobre a cultura coariense em:

Quebra-Queixo — Erasmo Linhares — 1999

O Tacho — Lenda Coariense 3

A Lenda Coariense do Caripira — 004

ORIGEM, MEMÓRIA E CULTURA DO BOI-BUMBÁ NO MUNICÍPIO DE COARI

Coari coroou sua Miss Universo Coari 2023

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7 comentários em “Minhas memórias do festival folclórico coariense (1976–1993)”

  1. Poxa! Me veio na memória tantas coisas boas, como era bom.
    Deveria voltar o folclórico em Coari, na época era tão animado
    Que saudade!!

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  4. O boi-bumbá de Coari foi um movimento da evolução que aconteceu nos anos 90. Foram tempos adoráveis com Corre-Campo e Garantido. Boas lembranças.

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