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Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

Santana

O porto da cidade de Coari estava bem movimentado naquela manhã do dia 26 de julho. Muitos, ainda, chegavam das comunidades ou dos lugares ermos dos lagos e do Rio Solimões. Os moradores do Jussara e do Ariá vinham, na última hora, para a procissão e a missa.

O dia seria intenso para os dirigentes de comunidades que finalizariam seu curso no Centro Paroquial. Traziam seus filhos pequenos e bebês, e se alojavam com parentes ou dormiam no motor que os trouxera.

Os trabalhadores da castanha, que tinham saldo, estavam ali, para gastar e celebrar com a Santa, o resultado do trabalho que deu, também, para eles e não só para o patrão. Quem saldou pouco já estava emprestando e prometendo assim voltar para trabalhar e viver longe da cidade e de seus parentes, por mais um ano.

Naquele burburinho do cais, contava-se uma história do dia seguinte da festa, que acontecera em anos anteriores.

“Certo patrão, com dificuldade de fixar fregueses tiradores de castanha, nos altos rios do Lago de Coari, viera para a festa e trouxera muitos deles sem limite para gastar, repassando a eles valores bastante altos. A turma veio rezar, se divertir e gastar. O patrão voltaria, no dia seguinte com eles, para o castanhal, distribuindo cada um na sua ‘colocação’. Aconteceu que, na hora de voltar, poucos estavam no batelão e, ainda, comentavam que alguns não iam voltar para aquela vida. Não deu outra, o patrão foi até a delegacia e solicitou que o delegado convocasse os soldados para irem buscar os desertores. Dizem que até espingarda houve, apontando para que subissem no batelão de retorno”.

Se foi bem assim, não posso garantir.

O dia da Festa da Santa, daquele ano, correu. A tarde quente aquecia a multidão que se concentrava na frente da catedral de Santana. A procissão ia começar, alto-falantes no carro de som garantia o canto “Oh Ana, Santana e Gloriosa” e bonitos comentários do Pe. Jacson, com sua animação encerrando o novenário naquele apoteótico final devocional.

Naquela vez, lenços brancos ou guardanapos de papel rodopiavam no ar, o que a equipe de liturgia providenciou e espalhou para os devotos. Extasiante e lindo foi ver o pôr do sol refletido nas águas escuras do lago, certamente misturadas às lágrimas daqueles que sofriam a exploração.

Santana se tornou a eterna mãe protetora de Maria Imaculada. E para ela, todos nós, filhos e filhas, fomos entregues a Jesus no alto da cruz. Assim, a Memória Viva de Jesus alcançaria a todos copiosamente.

Houve, ainda, o compromisso dos dirigentes das comunidades eclesiais da zona rural, uns vivas fortes para eles, que reuniam o povo aos domingos, na certeza da promessa de Jesus: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18,20). Dom Gutemberg, inspirado por essa afirmação, explicava o congraçamento da unidade da fé por um só rebanho e um só pastor, naquela tarde de fé e esperança. Rezar pelas vocações era a súplica nascida do sonho de uma igreja local forte e com seu clero autóctone.

Santana

Um arraial avançava na noite. Eu, ajudando a meter a mão no gelo e servir aos que compraram cerveja. A noite de arraial acabava muito tarde.

O Pe. Pascoal arrematava uma galinha para a nossa comunidade saborear antes de dormir e comentar a alegria do povo e o prestígio da Padroeira. O sono daquela noite seria cantado pelos anjos, proclamando o Glória a Deus nas alturas e Paz nos castanhais!

Excerto do livro: O Segredo Redentor dos Rios: as aventuras de um missionário caboclo – Nelson Peixoto

Nelson Peixoto

Nelson Peixoto

Autor do texto: Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial.

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1 comentário em “Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial”

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