O Pelicão – 1968

O pelicão

Bessa Freire

Pequena crônica literária “O pelicão” de Bessa Freire que aconteceu na década de 60 no seminário de Coari;


Pedro Américo. Do sobrenome eu não lembro, mas o nome era Pedro Américo, mais conhecido como Pelicão. Por onde andará o Pelicão? Faz mais de 55 anos que dele não tenho notícias. Seu pai, rico fazendeiro de Roraima, queria porque queria um filho padre e o internou no seminário redentorista de Coari (AM). Sua chegada naquele celeiro de meninos pobres foi espetacular, triunfal. Trazia seis malas cheias de roupa fina e cara, incluindo onze camisas coloridas de um time de futebol, joelheiras e tornozeleiras. Com isso, apesar de ruim de bola, ganhou o lugar de goleiro titular da seleção do seminário.

O apelido surgiu numa sessão de Hora Amadora, organizada a cada semestre, com programação que incluía esquetes teatrais, canto, dança, narrativas e recital de poesia apresentados pelos alunos mais exibidos.  Em sua primeira atuação, Pedro Américo, vestindo espalhafatosa camisa de seda estampada de onça, contou a história dramática do pelicão, ave de grande porte, sanguinária, bico comprido, que não encontrando peixes para se alimentar, mata os próprios filhotes e bebe com avidez o sangue deles. Tanta crueldade provocou lágrimas em cascatas no distinto público.

Ninguém ali conhecia aquela história, salvo Aristides, o Xerife, leitor contumaz do Tesouro da Juventude que se apressou em subir ao palco e dizer que estava tudo errado. Não era pelicão. A ave, parente do biguá e do mergulhão, se chamava pelicano. E não matava a prole. A contrário, na falta de comida, furava o próprio peito para extrair o sangue com que alimentava seus filhotes. Morria, dando a vida por suas crias. Por isso, era o símbolo da Paixão de Cristo. Foi aí que Pedro Américo, desmoralizado, levou a maior vaia da paróquia e ficou com o apelido de Pelicão.

No internato de Coari, a palavra Pelicão passou a simbolizar engano, inversão dos fatos, distorção da realidade, o mundo de revestrés. Assim, Pedro Américo, que era um grande “engolidor de frangos”, fazia pose de goleiro elástico capaz de dar voos acrobáticos para pegar a bola lá no ninho da coruja. Era o Castilho do Solimões. Tudo potoca, invencionice, lorota.

O pelicão

José Ribamar Bessa Freire


Leia tabém:

Minhas memórias do festival folclórico coariense (1976–1993)

Gregário, o Mateiro – 05

A Bandeira Oficial do Município de Coari

Cobra Grande do Lago de Coari, no rio Amazonas

Está gostando ? Então compartilha:

1 comentário em “O Pelicão – 1968”

  1. Muito interessante a história, sem contar
    Que é uma comédia. É maravilhoso conhecer
    Fatos marcantes de nossa cidade. Parabéns
    Meu ANJO!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Areal Souto
Literatura
Archipo Góes

Histórias esquecidas 01: Areal Souto

A história de Francisco do Areal Souto é uma mistura de aventura, suspense e humor. O protagonista é um homem forte e destemido, que sempre encontra uma maneira de superar as adversidades. A panela de pressão, que deveria ser uma ferramenta útil, acaba se tornando uma fonte de mistério e diversão.

Leia mais »
rosa
Francisco Vasconcelos
Archipo Góes

O homem que escreveu sobre o palhaço e a rosa – 2018

Francisco Vasconcelos, autor do livro “O palhaço e a rosa”, é um escritor que aborda temas como a infância, o amor perdido, a contingência da vida, a pobreza e a injustiça. Sua obra é resultado da vida que o autor promoveu para si e a que se submeteu.

Leia mais »
Castanheira
Literatura
Archipo Góes

Excelsa Castanheira – 06

Nesse texto de Antônio Cantanhede incluído na seção Coari de seu livro “O Amazonas por Dentro”, podemos observar que a castanheira amazônica se destaca ao manter suas flores o ano todo enquanto outras árvores se desfolham sazonalmente. No período de agosto a setembro, ela revela ouriços de castanhas, atraindo aves e macacos. Essa árvore é símbolo econômico na Amazônia, sendo reverenciada tanto por sua beleza quanto pelo valor de suas castanhas. Coari, no princípio do século XX foi um dos maiores produtores de castanha do Amazonas.

Leia mais »
Rolar para cima
Coari

Direiros Autorais

O conteúdo do site Cultura Coariense é aberto e pode ser reproduzido, desde que o autor “ex: Archipo Góes” seja citado.