Entre águas e sonhos: uma tragédia anunciada – Botos

Boto

Botos – Entre Águas e Sonhos acompanha a jornada de um homem marcado por perdas em busca de redenção. Ele confronta seus demônios e os perigos da floresta, em meio à beleza e brutalidade da natureza. Encontros intrigantes e eventos misteriosos tecem um suspense envolvente, conduzindo a um desenrolar cheio de reviravoltas. Segredos da floresta, natureza humana e a busca por redenção se entrelaçam neste conto que te convida a desvendar o destino de um boto.

A lancha atracou na balsa do porto de Coari. Desembarcou e sentiu a mudança de temperatura do frio confortável para o forte calor invadindo seu corpo. Gente, malas e bolsas se misturavam. Uns que chegavam, outros que esperavam. Vidas se encontrando em gestos cheios de saudades e vontades. Olhares, abraços e risos era maior que o cansaço da viagem.

Entrou na lancha da Base Arpão. Vivia um sonho. Foram meses de pedidos para participar dessa missão. Sempre vinha um não. Até o telefonema dois dias atrás, uma voz forte e metálica comunicava — Se arrume, chegou sua vez, partimos em dois dias.

A lancha cortava as negras águas do lago de Coari. Atravessou o encontro das águas, uma faixa cortada, separando o negro do amarelo. Uma linha certa feita por mãos divinas. Tudo era lindo e enchia seus olhos de beleza.

Na base arrumou suas coisas, conferiu as armas e foi com as mãos tocando nelas, fazendo carinho como fossem corpo de mulher. Uma saudade e uma raiva encheram seu peito na lembrança de Helena e o que ela tinha feito com ele, lhe largando por um homem branco que vestia branco e usava chapéu, tinham-se encontrado numa casa de rituais no Tarumã. Ele sumiu com ela nas águas daquelas matas e nunca mais se viram.

Estava ali para esquecer.

Boto

Amanheceu e partiram em Missão, foram à caça de piratas. Houve uma denúncia que estavam saindo do Igapó grande e subiam pela costa do Juçara. Eles desceram numa lancha veloz por trás da ilha do Ariá e não custaram a ver a lancha dos piratas. Foram recebidos com balas, sacaram suas armas e a guerra se deu. As águas tingidas de sangue, um deles foi morto, mataram seis piratas.

A volta vitoriosa, de peito livre e dando rajadas de metralhadoras no ar. Foi quando um cardume de botos acompanhando a lancha, dando saltos, um balé nas águas. Ele apontou sua metralhadora e acertou um deles, dilacerou o boto, sangue para todo lado.

A lancha acelerou, adiante um boto pulou ao seu lado, seus olhos estavam cheios de lágrimas. Sumiu nas águas. Passaram pela praia na ponta da ilha do Ariá. Seguiram caminho, chegaram na base, foram comemorar. Com as palavras molhadas contavam as vantagens da vitória. Mais mortes somadas em seus currículos. Deitou, a imagem dos olhos cheios de lágrimas do boto passou na sua mente como um filme, não sabia se era de amor ou terror. Adormeceu. Sonhou com Helena. Sonhou com o boto e seus olhos cheios de lágrimas. No sonho fazia amor com Helena. Fazia amor com uma bota. Era Helena se transformando em bota. Era a bota se transformando em Helena.

Acordou. Dormiu. O sonho se repetia.

Boto

Foi acordado. Sentiu seu corpo sendo outro. Com cheiros novos, desconhecidos. Lençóis molhados.

No celular, uma mensagem “hoje à noite na ponta da praia da ilha do Ariá”. Olhou sem acreditar.

O dia foi passando, as imagens dos sonhos de Helena, da bota, de uma mulher vestida de branco caminhando na areia. Será que era Helena. A mensagem lhe chamando.

Seu corpo suando. Pegando fogo feito vulcão. Entrou no bote e se dirigiu a praia. Foi chegando e vendo a mulher de branco, linda, era Helena, ali só para ele.

O vulcão entrou em erupção. Se amaram até a cidade encantada.

Foi encontrado morto 3 dias depois nas águas do município de Codajás!

07 de abril de 2024

Francisco José

Autor do conto “Entre águas e sonhos: uma tragédia anunciada”.

A Escola

A Praça São Sebastião

A Feira

Crônicas de Coari – Vol. 01

A História do Miss Coari (1940 – 1967)

Está gostando ? Então compartilha:

5 comentários em “Entre águas e sonhos: uma tragédia anunciada – Botos”

  1. Renato de Sena Mendes

    História envolvente de suspense e angústia, refletida na ação passional do personagem por Helena, o mesmo não aceitou ser trocado por uma lenda.
    É passar a conviver com várias alucinações em relação a pessoa amada(Helena), io levando a conflitos em seus sonhos.

  2. A sedução do boto é sempre temática que vem atravessando séculos, se alinhando com a atualidade da floresta. Assim, surgem os contos inspirados nesses seres tão encantadores e humanizados pela ação civilizatória, inclusive pelas ações contedoras das mazelas que assolam os rios e matas. O boto, ou até a bota, serão sempre personagens interligados ao imaginário e realidade regional.

  3. Pingback: O Novenário de Santana – Cultura Coariense

  4. Pingback: Um Corpo Santo e as serpentes na brisa leve e na água agitada – Cultura Coariense

  5. Pingback: O boi de França e o boi de Ioiô – Cultura Coariense

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Brisa
Literatura
Archipo Góes

Minha Brisa Rosa

A autora relembra sua infância em Coari e as aventuras com sua bicicleta Brisa rosa, presente de seu pai em 1986. Após passeios noturnos pela cidade, um acidente lhe deixou uma cicatriz e encerrou sua relação com a bicicleta. A história mistura nostalgia e a lembrança de uma época marcada por diversão e pequenos riscos.

Leia mais »
Escadaria
Crônicas
Archipo Góes

Escadaria

O texto descreve uma viagem nostálgica da autora ao ser transportado de um trânsito parado para memórias de infância nos anos 80 em Coari. O caminho até a escadaria envolvia passar por figuras e locais marcantes da cidade. Ao chegarem ao rio, ela passava horas flutuando e apreciando aquele cenário.

Leia mais »
dança
Dança
Archipo Góes

Corpos em Movimento: Workshop Gratuito de Dança em Coari

O projeto “Corpos”, contemplado pelo edital Paulo Gustavo, oferece aulas gratuitas de Dança Contemporânea e Improvisação para jovens e adultos a partir de 11 anos. As oficinas exploram a expressividade corporal, a improvisação e o aprimoramento de técnicas básicas, com direito a certificado ao final do curso e uma demonstração artística para a comunidade.

Leia mais »
Garantianos
Folclore
Archipo Góes

Correcampenses x Garantianos

A crônica Correcampenses x Garantianos, narra a rivalidade entre os bois-bumbás Corre-Campo e Garantido em Coari, marcada por brigas e um episódio de violência em 1989. A retomada do festival em 1993 e a vitória do Corre-Campo geraram reações distintas. A crônica reflete sobre a polarização social, a cultura popular como identidade local e a importância da tolerância para a harmonia.

Leia mais »
Santana
Literatura
Archipo Góes

Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

O texto narra a vivência da festa da padroeira de Coari, retratando a devoção à Santana, a padroeira da cidade, e a importância da fé para o povo local. A narrativa destaca a movimentação do porto, a participação dos trabalhadores da castanha, a procissão, a missa e o arraial, revelando a religiosidade popular e a cultura local. A história do patrão e dos trabalhadores da castanha ilustra a exploração do trabalho na região, enquanto a presença do bispo e dos padres reforça o papel da Igreja Católica na comunidade. O texto termina com a reflexão sobre a fé, a esperança e a importância da preservação da tradição.

Leia mais »
Guadalupe
Literatura
Archipo Góes

O Trio Guadalupe – 1987

O texto narra as memórias da autora sobre sua infância na década de 80, marcada pela paixão por filmes de dança e pela amizade com Sirlene Bezerra Guimarães e Ráifran Silene Souza. Juntas, as três formavam o Trio Guadalupe, um grupo informal que se apresentava em eventos escolares e da comunidade, coreografando e dançando com entusiasmo. O relato destaca a criatividade e a alegria das meninas, que improvisavam figurinos e coreografias, e a importância da amizade que as uniu. Apesar do fim do trio, as memórias das apresentações e da cumplicidade entre as amigas permanecem como um símbolo daquela época especial.

Leia mais »
maçaricos
Literatura
Archipo Góes

Os maçaricos do igarapé do Espírito Santo têm nomes

Maçaricos, aves e crianças, brincavam lado a lado no Igarapé do Espírito Santo em Coari–AM. Um local de rica vida natural e brincadeiras, o igarapé variava com as cheias e secas, proporcionando pesca, caça e momentos marcantes como a brincadeira de “maçaricos colossais” na lama. O texto lamenta a perda da inocência e da natureza devido à exploração do gás do Rio Urucu e faz um apelo para proteger as crianças e o meio ambiente.

Leia mais »
Rolar para cima
Coari

Direiros Autorais

O conteúdo do site Cultura Coariense é aberto e pode ser reproduzido, desde que o autor “ex: Archipo Góes” seja citado.