Francisco José
Botos – Entre Águas e Sonhos acompanha a jornada de um homem marcado por perdas em busca de redenção. Ele confronta seus demônios e os perigos da floresta, em meio à beleza e brutalidade da natureza. Encontros intrigantes e eventos misteriosos tecem um suspense envolvente, conduzindo a um desenrolar cheio de reviravoltas. Segredos da floresta, natureza humana e a busca por redenção se entrelaçam neste conto que te convida a desvendar o destino de um boto.
A lancha atracou na balsa do porto de Coari. Desembarcou e sentiu a mudança de temperatura do frio confortável para o forte calor invadindo seu corpo. Gente, malas e bolsas se misturavam. Uns que chegavam, outros que esperavam. Vidas se encontrando em gestos cheios de saudades e vontades. Olhares, abraços e risos era maior que o cansaço da viagem.
Entrou na lancha da Base Arpão. Vivia um sonho. Foram meses de pedidos para participar dessa missão. Sempre vinha um não. Até o telefonema dois dias atrás, uma voz forte e metálica comunicava — Se arrume, chegou sua vez, partimos em dois dias.
A lancha cortava as negras águas do lago de Coari. Atravessou o encontro das águas, uma faixa cortada, separando o negro do amarelo. Uma linha certa feita por mãos divinas. Tudo era lindo e enchia seus olhos de beleza.
Na base arrumou suas coisas, conferiu as armas e foi com as mãos tocando nelas, fazendo carinho como fossem corpo de mulher. Uma saudade e uma raiva encheram seu peito na lembrança de Helena e o que ela tinha feito com ele, lhe largando por um homem branco que vestia branco e usava chapéu, tinham-se encontrado numa casa de rituais no Tarumã. Ele sumiu com ela nas águas daquelas matas e nunca mais se viram.
Estava ali para esquecer.
Amanheceu e partiram em Missão, foram à caça de piratas. Houve uma denúncia que estavam saindo do Igapó grande e subiam pela costa do Juçara. Eles desceram numa lancha veloz por trás da ilha do Ariá e não custaram a ver a lancha dos piratas. Foram recebidos com balas, sacaram suas armas e a guerra se deu. As águas tingidas de sangue, um deles foi morto, mataram seis piratas.
A volta vitoriosa, de peito livre e dando rajadas de metralhadoras no ar. Foi quando um cardume de botos acompanhando a lancha, dando saltos, um balé nas águas. Ele apontou sua metralhadora e acertou um deles, dilacerou o boto, sangue para todo lado.
A lancha acelerou, adiante um boto pulou ao seu lado, seus olhos estavam cheios de lágrimas. Sumiu nas águas. Passaram pela praia na ponta da ilha do Ariá. Seguiram caminho, chegaram na base, foram comemorar. Com as palavras molhadas contavam as vantagens da vitória. Mais mortes somadas em seus currículos. Deitou, a imagem dos olhos cheios de lágrimas do boto passou na sua mente como um filme, não sabia se era de amor ou terror. Adormeceu. Sonhou com Helena. Sonhou com o boto e seus olhos cheios de lágrimas. No sonho fazia amor com Helena. Fazia amor com uma bota. Era Helena se transformando em bota. Era a bota se transformando em Helena.
Acordou. Dormiu. O sonho se repetia.
Foi acordado. Sentiu seu corpo sendo outro. Com cheiros novos, desconhecidos. Lençóis molhados.
No celular, uma mensagem “hoje à noite na ponta da praia da ilha do Ariá”. Olhou sem acreditar.
O dia foi passando, as imagens dos sonhos de Helena, da bota, de uma mulher vestida de branco caminhando na areia. Será que era Helena. A mensagem lhe chamando.
Seu corpo suando. Pegando fogo feito vulcão. Entrou no bote e se dirigiu a praia. Foi chegando e vendo a mulher de branco, linda, era Helena, ali só para ele.
O vulcão entrou em erupção. Se amaram até a cidade encantada.
Foi encontrado morto 3 dias depois nas águas do município de Codajás!
07 de abril de 2024
Francisco José
Autor do conto “Entre águas e sonhos: uma tragédia anunciada”.
Leia mais em:
A História do Miss Coari (1940 – 1967)
5 comentários em “Entre águas e sonhos: uma tragédia anunciada – Botos”
História envolvente de suspense e angústia, refletida na ação passional do personagem por Helena, o mesmo não aceitou ser trocado por uma lenda.
É passar a conviver com várias alucinações em relação a pessoa amada(Helena), io levando a conflitos em seus sonhos.
A sedução do boto é sempre temática que vem atravessando séculos, se alinhando com a atualidade da floresta. Assim, surgem os contos inspirados nesses seres tão encantadores e humanizados pela ação civilizatória, inclusive pelas ações contedoras das mazelas que assolam os rios e matas. O boto, ou até a bota, serão sempre personagens interligados ao imaginário e realidade regional.
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