Sai cedo de casa para ir ao centro comercial de Manaus. Estacionei o carro na Rua Barroso, próximo ao antigo prédio da biblioteca pública, onde décadas atrás funcionava, além da biblioteca, a pinacoteca do estado e o Grupo de Estudos Cinematográficos – GEC/Cine-Clube Humberto Mauro, ao qual me filiei e até hoje guardo como recordação minha carteirinha. Nas décadas de 70 e 80, muitos foram os filmes que assistimos, estudamos e debatemos a qualidade técnica, a narrativa, o enredo, tempo, o elenco, tudo que implica na realização de um filme de longa ou curta metragem; na época estudávamos as películas dirigidas por cineastas conhecidos, como Frederico Fellini, Alberto Latuada, Vitorio de Sica, Alain Renais, François Truffaut, Charlie Chaplin, Alfred Hitchcoch, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, entre tantos outros, diretores e produtores, especialmente os do período da nouvelle vague, do cinema novo, em preto e branco e cinema mudo. Tudo era percebido e tinha que passar pela lente do grupo.
Os clubistas José Gaspar, Ivens Lima e Márcio Souza, membros do Clube da Madrugada, encabeçavam os debates sobre a Sétima Arte. Muitos cinéfilos compareciam às sessões de cinema no auditório que existia na parte superior do prédio, do lado direito pela escada que leva ao 2º andar; do outro lado ficava a pinacoteca do estado com galeria permanente e uma escola de arte para principiantes.
Foram professores da Escola de Arte, que me recordo, os artistas plásticos Moacir Andrade, Álvaro Páscoa, Manoel Borges, Afrânio Castro e J. Maciel; em 1970 participei com cinco quadros selecionados para o certame do IV Festival da Cultura, com a participação de vários pintores conhecidos no meio artístico da metrópole amazonense; a montagem da exposição foi no Salão da Pinacoteca, patrocinada pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado/Fundação Cultural/Clube da Madrugada. A comissão julgadora, formada de intelectuais da fina flor da cultura local, concedeu o prêmio aos pintores Moacir Andrade e J. Maciel. Depois dessa exposição, a pinacoteca sob a direção do pintor, escultor e professor Álvaro Páscoa, adquiriu dois trabalhos meus denominados “Fome” ou “Inanição” (guache) e “Crianças da periferia de Manaus” (nanquim, bico de pena), que devem estar expostos na atual pinacoteca no Palacete Provincial. Mas tarde, em 1999, a Secretaria de Cultura do Estado promoveu uma exposição retrospectiva do acervo da pinacoteca, denominada “Pinacoteca, Anos 60/70”, incluindo, nessa coletiva, o meu trabalho “Fome” ou “Inanição”.
Caminhando pela Rua Barroso, finalmente sai na Av. 7 de Setembro e, subindo, dirigi-me à Praça da Polícia, como popularmente é conhecida a Praça Hiliodoro Balbi. Logo na esquina, entre a Sete de Setembro com a Rua José Paranaguá, em uma das pontas da forma triangular da praça, fica o famoso Café do Pina, onde dei uma paradinha para conversar com algumas pessoas que se encontravam sentadas à uma das mesas na área do jardim que rodeia o pequeno estabelecimento comercial; e depois conversei um pouco com um dos colaboradores da empresa, que me disse que o meu amigo Pina, do Lions Clube Uirapuru, que tempos passados frequentávamos, estava muito bem. Gostei de ouvi-lo. Olhando atentamente, vi numa placa dentro do Café, um cartaz com uma frase usada pelo senhor Pina, quase um jargão do pai do meu amigo; ele repetia sem distinção, a estudantes, professores, intelectuais, homens e mulheres do povo, que faziam uma paradinha para tomar o cafezinho feito na hora ou comprar o cigarro: – Alô! jovem. Essa era sem dúvida a saudação com que ele na década de 60, mais precisamente de 1963 em diante, quando estudávamos no Colégio Estadual do Amazonas, à noite, e frequentávamos o Café que ficava, naquela época, do lado do Quartel da Polícia Militar, frente ao Cine Guarani; atualmente o quartel foi transformado em museu e pinacoteca do estado, que funcionam em salas do mesmo prédio que, agora, chama-se Palacete Provincial.
Antes da forte chuva que caiu no centro da cidade, eu, cheio de lembranças daquela fase da minha vida, fiz uma caminhada por dentro da praça, olhando atentamente as pontes e chafarizes, coreto, parlatório, e descobri, porque ainda não tinha conhecimento, um pequeno monumento em homenagem ao escritor português Ferreira de Castro, autor de “A Selva”; e outro, em uma das extremidades do lado esquerdo da praça, em homenagem feita ao poeta paraense Bruno de Menezes, pai da Irmã Marília, que permaneceu como freira em Coari (minha cidade natal e de Francisco Vasconcelos, Erasmo Linhares e Archipo Góes) por muito tempo, e que é também poeta; a efígie de seu pai, fundida em bronze, é trabalho da lavra do escultor, pintor e poeta Afrânio Castro, membro do Clube da Madrugada. A praça continua bem arborizada e agora com árvores centenárias. Deparei, e já esperava encontrar, as esculturas em bronze, da “Diana, a caçadora”, com uma das mãos apoiada num cervo, e mais adiante o “Javali, defendendo-se de um lobo”; mais à frente, defronte ao museu, deparei-me com o histórico mulateiro, árvore que se acredita quase centenária, onde sob a sua copa um dia foi fundado o Clube da Madrugada, em 22 de novembro de 1954. Tinha à época, dentro da praça, um banco de cimento armado, onde geralmente alguns clubistas sentavam para a reunião de bate-papo, todos os sábados, ou quase todos, ou para lançamento de livro e, anualmente, na data de seu aniversário de fundação, para realizar eleição de diretoria. Como a placa original era de metal, parafusada na árvore faz sessenta anos, e sua fronde era menor, seu tronco e raízes eram bem menores do que são hoje, ela foi, com o tempo absorvida pela madeira; então, para preservar a história do Clube da Madrugada, a Secretaria de Cultura e Turismo do Estado determinou fosse colocada uma pedra cunhada com a inscrição, data de fundação do CM, e os nomes de seus fundadores: Saul Benchimol, Francisco Ferreira Baptista, Carlos Farias Ouro de Carvalho, José Pereira Trindade, Humberto Paiva, Raimundo Teodoro Botinelly de Assunção, Luiz Bacellar, Celso Melo, Fernando Collyer e João Bosco Araújo.
Verifiquei, todavia, que a reforma pela qual passou a praça melhorou bastante o seu aspecto não apenas quanto à manutenção da história, mas, também, quanto a beleza e conservação do que existia antes, porque não faltam pessoas na praça, ou no Café ao qual voltei depois de muitos anos, levado também pela chuva que já começava a cair fortemente no centro da cidade; ao chegar, sentei-me em um dos tamboretes redondos de madeira, protegidos do sol e da chuva por toldos que desciam de cima das janelas dos balcões de atendimento ao cliente; e, assim, aguardei a chuva passar tomando um cafezinho quente e saboroso. Durou não mais que meia hora.
Manaus, quinta-feira, 5/5/2016.
José Coelho Maciel
*Poeta e Pintor Coariense
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