Francisco José
Sua água era negra, como negras eram as pupilas dos olhos das crianças que nele se banhavam. Negra como a noite sem luar e sem estrelas e bela como a negritude das rainhas da África. Sua água era cheia de vida, pois eram sem conta os tipos de peixes que nele habitavam e era uma fonte de alimento para os habitantes da cidade, que tinha nesse igarapé, água para lavar roupas, para lazer, para pescar e para matar a sede.
O Igarapé foi morrendo lentamente, elenco aqui cinco atos de um drama que não tem volta:
Primeiro ato
A ponte que liga a rua Independência ao bairro Chagas Aguiar foi transformada em aterro.
Segundo ato
A construção do aterro do contorno.
Terceiro ato
A matança do seu irmão maior o igarapé do Inambú, pois era sua principal reserva. Foi morrendo lentamente pela urbanização do bairro Santa Efigênia.
Quarto ato
O crescimento da cidade de modo desestruturado pelo lado detrás do igarapé, onde foram soterradas pequenas fontes que o alimentavam.
Quinto ato
A “limpeza do Igarapé”, melhor dizendo tiraram sua vegetação.
O enterramento das fontes e a devastação da vegetação aquática, está provado que “mata”, “eliminam” uma reserva de água, seja ela rio, lago, no nosso caso foi e está sendo o Igarapé Espírito Santo. Uma beleza natural que a cidade de Coari vai perdendo. Uma morte lenta, sofrida, sufocante, um drama em cinco atos. Como uma doença fatal que vai matando devagar, fazendo sofrer. Cada ato uma parte da história do município.
Cada ato desse drama, uma dor, um sofrimento e hoje o igarapé é triste, já não tem lavadeiras que nele lavam suas roupas para ganhar um pouco de dinheiro e comprar o seu pão nosso de cada dia; não tem mais peixes para serem pescados pelos pais de famílias que com eles alimentavam seus filhos e o pior de tudo é saber que ninguém mais bebe de sua água. Sua tristeza, lentamente vai se transformando em solidão. O pior é saber que já não tem mais sorriso das crianças que nele tomavam banho.
É a vida se rendendo diante do desenvolvimento, fonte de abundância, transformada em deserto, sede e fome. Mar Vermelho, Poço de Jacó, Rio Jordão, fonte da água do nosso batismo, esvaziada, seca, bebida, tragada, engolida.
Água, fonte da vida, nos diz a Campanha da Fraternidade desse ano. Ano próprio de ajoelharmos e rezando, fazer uma oração ao Espírito Santo pela morte do Igarapé Espírito Santo e pedir perdão, “Senhor não sabemos o que fazemos”. Enquanto isso o Igarapé Espírito Santo, em lágrimas, nos seus murmúrios, vai rezando, “vem Espírito Santo, vem”.