O trágico naufrágio acontecido em Coari – 1926

Eros Divino Maia Alfaia
Blog: A Missão

O Naufrágio do Vapor Paes de Carvalho no ano de 1926

Ilustração de capa, da Revista regional do Amazonas de 1926, “Redempção”, lançada em março daquele ano apresentando a tragédia fluvial do Vapor Paes de Carvalho. A ilustração foi baseada nos relatos, tanto dos passageiros sobreviventes quanto dos habitantes do Camará.

Os pacatos moradores do Distrito do Camará, o primeiro da Vila de Coari, no rio Solimões, não acreditavam no que viam durante aquela fria madrugada de inverno amazônico… Era 22 de março de 1926.

Numa distância de cerca de cem metros da margem, o navio vapor, Paes de Carvalho, vindo de uma longa viagem, iniciada há semanas atrás, na cidade de Belém do Pará, é consumido pelas chamas famintas de um incêndio infernal! Inimaginável.

Ilustração do rio Solimões, da localização da comunidade do Camará e do local de naufrágio do Paes de Carvalho no meio do rio Solimões. Revista Redempção,  março de 1926.

Mas aquele povo do Camará teve que agir rápido, pois havia muita gente viva, ou lutando pra sobreviver, nas águas agitadas do rio.

O desespero tomou conta de muitos. Não restava outra saída, a não ser pular nas águas do Solimões! Foi o que muitos a bordo do navio fizeram. Ou pelo menos, os que conseguiram, pois muitos, findaram carbonizados. Homens, mulheres e crianças… Muitos índios, caboclos e nordestinos, muitos nordestinos. Mas na primeira classe havia gente graúda, rica, de boa família do Estado.

O Capitão José Ribeiro da Silva era uma personalidade no cenário político da Vila de Coari a época, estava a bordo do Paes de Carvalho, mas não conseguiu sobrevier.

Os conhecidos moradores da Vila de Coari, Sebastião Salignac e o Capitão da Guarda, José Ribeiro da Silva, viajavam na primeira classe também. Dos dois, só o primeiro conseguiu, a nado, chegar à terra. O Capitão Silva deixou viúva e filhos à ocasião, infelizmente. 

Aquela gente do Camará, pegou suas canoas e batelões, foram ao confronto, do rio e do naufrágio terrível e infernal, ao desafio de salvar vidas! Havia vários tipos de vidas a bordo, pois, além dos humanos que viajavam, cargas vivas eram transportadas também! Equinos, bovinos, suínos e aves. Todos misturados aos pobres e desassistidos passageiros de terceira classe! Em geral, índios e nordestinos. 

Às três horas e quarentena e cinco minutos, aquele inferno todo havia começado, com uma explosão na popa do Vapor! Por ser madrugada, a grande maioria dos passageiros dormia e, sonhava com a chegada a uma nova oportunidade, ou a sua Villa de destino. Logo estariam no porto do sobrado dos Dantas, na velha Villa! Ainda daria tempo de ir até a Praça Péricles de Moraes pra comprar algumas castanhas e outras guloseimas pra seguir viagem. Bastava atravessar a ponte do igarapé de São Pedro. Mas  jamais chegariam a Villa naquela madrugada.

O Comandante do Vapor, João de Deus Cabral dos Anjos, também se tornou uma vítima do naufrágio fatal.

A viagem, a muitos, havia iniciado em Belém, porém só findaria em Cruzeiro do Sul, no Acre. Eram muitos nordestinos sem rumo, em busca de ficar rico com a ilusão do fatídico final do período áureo da borracha, que já tinha dado o que tinha que dá. Foi um acidente fatídico, sem medidas, apesar de que, o vapor vinha abarrotado de combustível: líquido e pólvora! Uma verdadeira bomba relógio!

Disseram que havia 150 almas a bordo, mas naquele tempo, assim como hoje, já havia negligências! E o lucro também.

Enquanto o Paes de Carvalho subia, o Índio do Brasil baixava, estavam há apenas  uma hora de se cruzarem, logo após a ilha da Botija… Ambos, os vapores, eram de uma mesma firma de navegação, uma firma inglesa.

Mas quando o Índio do Brasil se aproximava da beira, no lugar do Camará, viu um movimento mais do que fora de ordem àquela hora da manhã. Dia clareando, cheiro de fumaça no ar, mais gente do que o normal pela beira. Gritos, choros, angustia, muitos agasalhados com lençóis do povo da comunidade. A gente do Camará explicou que o Paes de Carvalho explodiu, próximo a ilha da Botija, baixou e afundou exatamente em frente a comunidade.

O professor Rubem Dário Lisboa Lima, ajudou a salvar três pessoas que ficaram a deriva no rio. Foi uma das testemunhas do acidente fluvial. Lecionava no Camará na época.

Tentaram salvar os que poderam, mas muita gente de Coari, Tefé, Belém, Manaus e do Acre, tiveram seu fim ali mesmo. Até  mesmo os arigós, naquelas águas, ou no fogo medonho da madrugada.

O Índio não encontrou mais o Paes, muito menos João de Deus, o comandante do Vapor, que deixou uma viúva  e nove filhos em Belém. Assim como tantos outros e outras também deixaram. O povo do Camará nunca esqueceu dessa história. Através dela, a comunidade ficou famosa, em jornais e revistas, de toda a região amazônica, e até do país! Tão cedo não seria esquecida. 

Por muitas e muitas gerações, os moradores repassaram o ocorrido a seus filhos, netos e bisnetos. Foi um fato que uniu gerações, por décadas, através da história oral. Se tornou o maior causo já ocorrido com aquela gente que ali vivia. Mas, após mais de noventa anos decorridos, o fato foi sendo esquecido, outros acidentes fluviais foram tomando a memória das novas gerações, da modernidade… Porém, os que buscarem no hoje, informações precisas sobre tal acontecimento, vão se deparar com um desfecho apresentado pela mídia daquela época, no mínimo, injusto, e até certo ponto pretensioso.

Naufrágio em Coari
Uma foto do Vapor Paes de Carvalho, navegando pelas águas do rio Solimões, por ocasião de outra viagem, diferente do naufrágio terrível.

Os jornais deram notícias de que, o incêndio, começou com as cinzas do fumo de uma passageira idosa, da terceira classe. Acordou de madrugada, com vontade de fumar seu cachimbo, e assim, uma fagulha chegou até os barris de pólvora!

Quer dizer, a corda arrebentou pra uma mulher, cabocla, pobre, idosa, tabagista, culpada por terem entupido o vapor com combustível, e por terem ultrapassado a lotação máxima da embarcação. Sempre foi assim.

Referência 

Revista Redempção, março de 1926. Centro Cultural dos Povos da Amazônia – Revista Redempção 1926
História oral do município de Coari: Voz de seu Ary Dantas Alfaia
Látex – Romance de Marco Adolfs sobre a tragédia do Vapor Paes de Carvalho/ Manaus – Editora Uirapuru 2004.

Fonte: Eros Divino Maia Alfaia – Blog: A Missão

Está gostando ? Então compartilha:

7 comentários em “O trágico naufrágio acontecido em Coari – 1926”

  1. Estudei do primário ao nível superior completo , trabalhei por 34 anos na área de educação em Coari, é a primeira vez que tenho conhecimento detalhado desse fato interessante na história do município.

  2. Muito interessante essa história, não fazia ideia de que isso teria acontecido aqui na nossa amada cidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Brisa
Literatura
Archipo Góes

Minha Brisa Rosa

A autora relembra sua infância em Coari e as aventuras com sua bicicleta Brisa rosa, presente de seu pai em 1986. Após passeios noturnos pela cidade, um acidente lhe deixou uma cicatriz e encerrou sua relação com a bicicleta. A história mistura nostalgia e a lembrança de uma época marcada por diversão e pequenos riscos.

Leia mais »
Escadaria
Crônicas
Archipo Góes

Escadaria

O texto descreve uma viagem nostálgica da autora ao ser transportado de um trânsito parado para memórias de infância nos anos 80 em Coari. O caminho até a escadaria envolvia passar por figuras e locais marcantes da cidade. Ao chegarem ao rio, ela passava horas flutuando e apreciando aquele cenário.

Leia mais »
dança
Dança
Archipo Góes

Corpos em Movimento: Workshop Gratuito de Dança em Coari

O projeto “Corpos”, contemplado pelo edital Paulo Gustavo, oferece aulas gratuitas de Dança Contemporânea e Improvisação para jovens e adultos a partir de 11 anos. As oficinas exploram a expressividade corporal, a improvisação e o aprimoramento de técnicas básicas, com direito a certificado ao final do curso e uma demonstração artística para a comunidade.

Leia mais »
Garantianos
Folclore
Archipo Góes

Correcampenses x Garantianos

A crônica Correcampenses x Garantianos, narra a rivalidade entre os bois-bumbás Corre-Campo e Garantido em Coari, marcada por brigas e um episódio de violência em 1989. A retomada do festival em 1993 e a vitória do Corre-Campo geraram reações distintas. A crônica reflete sobre a polarização social, a cultura popular como identidade local e a importância da tolerância para a harmonia.

Leia mais »
Santana
Literatura
Archipo Góes

Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

O texto narra a vivência da festa da padroeira de Coari, retratando a devoção à Santana, a padroeira da cidade, e a importância da fé para o povo local. A narrativa destaca a movimentação do porto, a participação dos trabalhadores da castanha, a procissão, a missa e o arraial, revelando a religiosidade popular e a cultura local. A história do patrão e dos trabalhadores da castanha ilustra a exploração do trabalho na região, enquanto a presença do bispo e dos padres reforça o papel da Igreja Católica na comunidade. O texto termina com a reflexão sobre a fé, a esperança e a importância da preservação da tradição.

Leia mais »
Guadalupe
Literatura
Archipo Góes

O Trio Guadalupe – 1987

O texto narra as memórias da autora sobre sua infância na década de 80, marcada pela paixão por filmes de dança e pela amizade com Sirlene Bezerra Guimarães e Ráifran Silene Souza. Juntas, as três formavam o Trio Guadalupe, um grupo informal que se apresentava em eventos escolares e da comunidade, coreografando e dançando com entusiasmo. O relato destaca a criatividade e a alegria das meninas, que improvisavam figurinos e coreografias, e a importância da amizade que as uniu. Apesar do fim do trio, as memórias das apresentações e da cumplicidade entre as amigas permanecem como um símbolo daquela época especial.

Leia mais »
maçaricos
Literatura
Archipo Góes

Os maçaricos do igarapé do Espírito Santo têm nomes

Maçaricos, aves e crianças, brincavam lado a lado no Igarapé do Espírito Santo em Coari–AM. Um local de rica vida natural e brincadeiras, o igarapé variava com as cheias e secas, proporcionando pesca, caça e momentos marcantes como a brincadeira de “maçaricos colossais” na lama. O texto lamenta a perda da inocência e da natureza devido à exploração do gás do Rio Urucu e faz um apelo para proteger as crianças e o meio ambiente.

Leia mais »
Rolar para cima
Coari

Direiros Autorais

O conteúdo do site Cultura Coariense é aberto e pode ser reproduzido, desde que o autor “ex: Archipo Góes” seja citado.