O assobio rasgou duas vezes a mata e veio se repetir bem perto de onde nós estávamos. Na cozinha, Maria José preparava um cozidão daqueles. “Caparari” salmourado com bastante verdura, “Se você oferecer outro cigarro ele vem cantar bem aqui pertinho”. Sorri maroto e passei a garrafa de cachaça pra Manoel Soares, que brincou com Vieira, enquanto oferecia-me uma banda de limão. Tomei uma talagada, acendi um cigarro e fui ver como estavam as coisas lá atrás no motor onde estava mamãe, Nilda e as crianças, que ajudavam Maria José no preparo do jantar.
Era um sábado calorento, mas a Freguesia de Alvelos, dos Dantas, estava fresca e o rio Coari soprava suavemente uma brisa calma. Aqui, ali, gaivotas esguichavam lamentos e a areia branca convidava a um passeio pela praia. Nossos companheiros estavam na boca do lago, armando a malhadeira para quando o dia amanhecesse.
E todos nós fornos lá espiar três tambaquis e o belo exemplar de pirarucu. Durante o verão era comum nossos passeios a Jurupari ou a fazenda Alvelos, primeiro ponto da civilização que formou o povoado de Coari. Jacó Dantas, irmão de Raimundo Dantas o “Alvelos” estava conosco e eu apreciava muitas anedotas. Principalmente depois de já ter tornado alguns goles.
Manoel Soares era o vice-prefeito. E era 1973. Vieira, bancário aposentado do BASA, gostava de uma caçada ao mesmo tempo em criar estórias. E naqueles dias ele quase me convencia que o Curupira existia. Ou será que existe mesmo? Mas de fato é que quase eu acreditei. Principalmente quando ele me disse com muita seriedade: “Se você assobiar de novo ele vem cantar bem pertinho do barco”. Acreditem ou não, alguma coisa veio repicando seu assobio até a beira do lago. Deixando-me desconcentrado e fazendo toda a turma rir da minha cara, meio sem jeito.
Na manhã seguinte a festa se fez sentir por toda ilha e as crianças corriam pela praia, espantando as gaivotas. Eram tantas, que dava gosto olhar toda a praia. Vieira matara duas pacas e estava alegre. Contudo, não esquecia de me perguntar pelo Curupira. Bernardo, funcionário da Prefeitura e companheiro de pescaria, não tivera muita sorte, apesar dos “tambaquis e o pirarucu”, ao levantar a malhadeira uma piranha tirara-lhe um pedaço da mão esquerda — era ou é canhoto — e isso fez com que retornasse mais cedo pra cidade. Felizmente não tinha sido muito sério o ferimento, mas foi o suficiente para deixá-lo alguns dias sem as suas pescarias.
De repente, estávamos todos a bordo do Rio Coari, um daya-diesel dos Dantas e que Jacó tinha muito orgulho, apesar de precisar de uma reforma urgente. A caldeirada estava no ponto e todos nós comíamos animados.
Um verdadeiro banquete naquelas terras tão bonitas.
Não sei como está tudo aquilo e prefiro lembrá-la como um dia a vi. Com areias brancas, contrastando com as águas escuras do Coari Grande e onde um dia quase me fizeram crer que existe o Curupira. Na Freguesia de Alvelos. Na minha saudosa Coari.
Roberval Vieira
COARI-AM. Em 11 de outubro de 1973.

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