OS QUIXOTES DA VIOLA

Coari

Por Alexandre Montoril

No dia 4 de agosto corrente, na casa do Sr. Alexandre Montoril, com a presença do poeta e pintor José Coelho Maciel, num torneio amigável, com viola e tamborim, o seresteiro Braz Cardoso e o trovador Patativa, ambos cearenses, a cerca de vários assuntos de suas vidas de aventuras.

Patativa:
Meu amigo Braz Cardoso
Poeta de alto quilate,
Há muito eu que lhe buscava
Para manter um debate,
Para mim, eu sei, tão caro,
Neste encontro tão raro
De um vate com outra vate…

Braz:
A sua fama anda longe,
Já ultrapassou as fronteiras
Do nosso torrão natal;
Nestas horas tão fagueiras
Um encontro de cantadores
Acaba os dissabores
E as horas passam ligeiras…

Patativa:
Eu conheço o seu valor,
Sua lira sertaneja,
A “História de Madalena”
Agrada a quem quer que seja
As rimas correm em rio,
No embate ou desafio
Enfrenta qualquer peleja!…

Braz:
Eu tendo a minha viola
Como agora afinada,
Posso cantar todo dia
E entrar na madrugada
Sem temer o tamborim,
O meu cantar não tem fim,
Vai longe como uma estrada…

Patativa:
Eu tendo o meu tamborim
Com a pele ajustada,
Como agora eu enfrento
Sem temor da derrocada;
Da brasa faço carvão,
Da viola, violão,
Do trovador, trovoada!…

Braz:
Na marcha em que nós vamos
Meu amigo Patativa,
Voando assim tão ligeiro,
Não vejo a perspectiva
Nessa toada de guerra
Minha viola emperra,
A minha musa se esquiva!…

Patativa:
Tem razão companheiro,
Vamos mudar de tom,
As nuvens já se desfazem
E o tempo vai ficar bom,
Não foi pra briga que vim,
O meu próprio tamborim
Já está com outro som…

Braz:
Há tanto assunto a tratar
Cantemos à Revolução,
Você que tanto a defende
Me dê uma explicação:
Anda tudo como ia?
Aumentou a carestia?
Ganhar muito é corrupção?

Patativa:
A resposta é quase um SIM,
Mas também o seu NÃO;
O governo está agindo
E promete solução;
Já temos Democracia,
E na marcha em que ia
Só teria o PAREDON!

Braz:
Aceito a sua resposta,
Eu sei onde quer chegar;
Eu também penso consigo
Mas acho tão devagar
As reformas pretendidas
Acabam sendo esquecidas,
Nas águas que vão rolar!…

Patativa:
Você conhece a História,
Tem bastante experiência,
No entanto vem agora
Com uma certa exigência,
Quem anda correndo é louco,
Vamos esperar mais um pouco
Tenha santa paciência!…

Braz:
Se eu fosse autoridade,
Com dinheiro e poder,
Saberia muito bem
Esse caso resolver;
Velho tinha que ser novo,
Eu dava trabalho ao povo,
Todo mundo ia viver!…

Patativa:
A gente longe do fogo
Pode ter pólvora na mão,
Mas se cair uma faísca
Dar-se-á a combustão;
Governar meu bom amigo,
É estar sempre em perigo,
Não faz o que se quer não!

Braz:
A conversa está comprida
E o tempo é dinheiro,
Vamos deixar o assunto
Para outro seresteiro;
Seu tamborim já não ronca,
Minha viola está bronca,
Até logo companheiro.

Patativa:
Até logo, passe bem,
Aguarde outra monção,
A Revolução tem um ciclo
Não vai durar muito não;
O que dura muito não presta,
O povo gosta de festa
E até outra ocasião…

Falou José Maciel:
Eu pensei que fosse briga
E por isso vim armado;
Mas foi uma troca de rimas
Estou decepcionado…

Publicado no Jornal do Comércio em Manaus, domingo, 13 de agosto de 1964, por Alexandre Montoril, poeta, nascido no Estado do Ceará, mas viveu no Amazonas e aqui foi enterrado, na cidade Manaus; O Coronel Alexandre Montoril, como era conhecido, foi coronel da Polícia Militar do Estado e, uma vez reformado, dedicou-se à política, sendo deputado estadual e posteriormente prefeito de Coari por várias legislaturas. Foi em Coari que o conheci. Era eu um jovem adolescente e meu pai, José Alves Maciel, era o Secretário Municipal nas gestões de Alexandre Montoril. Aos 17 anos de idade trabalhei como porteiro e zelador da prefeitura e, à noite, fui incumbido pelo prefeito para trabalhar em um serviço de alto falante, das 20 às 22 horas, diariamente, de segunda à sexta-feira.

Por este serviço não recebia nada. Tinha toda a liberdade sobre os temas tratados como política, música, literatura, fazendo ainda avisos de interesse da Prefeitura Municipal aos munícipes. Durou, porém pouco tempo, uma vez que tive que vim para Manaus com o fito de dar continuidade aos estudos secundários, tendo viajado para cá na primeira metade do ano de 1963.

Em Manaus, como dava os primeiros passos na escrita poética e na pintura e desenho, sempre que podia visitava Alexandre Montoril em seu Consultório Odontológico, que funcionava em sua própria residência à Rua Henrique Martins, por trás do Colégio Estadual do Amazonas; lá conversávamos sobre literatura e política, e eu sempre lhe mostrava os meus escritos que parece que gostava muito, embora nunca me dissesse nada, a não ser em um soneto que me dedicou e que logo estarei publicando.

Alexandre Montoril era um homem culto e um político habilidoso. Dizia-me que era primo do grande poeta e trovador Patativa de Assaré, lugar onde nasceu no agreste cearense. Terra de gente inteligente, terra que meu amigo e compadre Jorge Tufic, poeta e escritor, que um dia cedeu-me, quando aqui cheguei, o porão de sua casa às margens do igarapé do Bairro de Educandos para que eu o transformasse em meu primeiro ateliê. Devido o constante coaxar das rãs, dia e noite, que parecia mais uma orquestra musical, foi batizada com o nome de “Gruta do Sapo Verde”. Para encerrar quero dizer que Patativa de Assaré, primo de Alexandre Montoril, sendo hoje é estudado em várias universidades do mundo, inclusive na Sorbonne, Paris, e em Fortaleza tem a sua escultura de corpo inteiro em meio a um Centro de Cultura da Capital.

Nota de José Maciel
(In Fragmentos – Uma biografia compartilhada, de José Coelho Maciel, em preparo).

Está gostando ? Então compartilha:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

contar
Crônicas
Archipo Góes

Vale a Pena Contar – Coari na década de 1950

O excerto do livro “Vale a Pena Contar”, de Maria Julia de Mello Rodrigues, narra suas experiências marcantes vividas em Coari, interior do Amazonas, no ano de 1952. O texto aborda sua atuação na área da educação e na Igreja Batista, a superação de conflitos religiosos com padres locais, sua primeira gravidez e episódios memoráveis da vida amazônica, como o ataque de uma onça e o caso de uma jovem ferida por um candiru. Com linguagem intimista e histórica, o relato oferece uma rica visão da vida no interior do Brasil, destacando valores de fé, coragem, solidariedade e pioneirismo educacional na região amazônica.

Leia mais »
Cronica
Crônicas
Archipo Góes

Crônicas da Resistência: Projeto Literário da UFAM valoriza memória cultural em Coari

O projeto “Crônicas da Resistência”, realizado no Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) da UFAM em Coari, promoveu oficinas de leitura e escrita de crônicas com estudantes, valorizando memórias culturais e vivências marcadas pela pandemia de COVID-19 e pela seca histórica de 2023. A iniciativa resultou no livro “Crônicas do ISB: criações, descobertas e revelações”, que reúne relatos sensíveis sobre o cotidiano, a cultura local e a vida acadêmica, fortalecendo o pertencimento, a memória e a resistência cultural na Amazônia.

Leia mais »
Silvio
Literatura
Archipo Góes

Sílvio, o orador – 1961

O texto narra a história de Sílvio Barreto, um jovem com uma voz potente e um talento para a oratória, que se tornou uma figura conhecida em Coari. Durante a inauguração de uma quadra esportiva, Sílvio aproveitou a oportunidade para fazer um longo discurso exaltando as qualidades do prefeito Alexandre Montoril, seu dentista. Com um estilo peculiar e um vocabulário rebuscado, Sílvio transformou o evento em uma verdadeira homenagem ao prefeito, destacando suas diversas realizações para a cidade.

Leia mais »
Brisa
Literatura
Archipo Góes

Minha Brisa Rosa

A autora relembra sua infância em Coari e as aventuras com sua bicicleta Brisa rosa, presente de seu pai em 1986. Após passeios noturnos pela cidade, um acidente lhe deixou uma cicatriz e encerrou sua relação com a bicicleta. A história mistura nostalgia e a lembrança de uma época marcada por diversão e pequenos riscos.

Leia mais »
Escadaria
Crônicas
Archipo Góes

Escadaria

O texto descreve uma viagem nostálgica da autora ao ser transportado de um trânsito parado para memórias de infância nos anos 80 em Coari. O caminho até a escadaria envolvia passar por figuras e locais marcantes da cidade. Ao chegarem ao rio, ela passava horas flutuando e apreciando aquele cenário.

Leia mais »
dança
Dança
Archipo Góes

Corpos em Movimento: Workshop Gratuito de Dança em Coari

O projeto “Corpos”, contemplado pelo edital Paulo Gustavo, oferece aulas gratuitas de Dança Contemporânea e Improvisação para jovens e adultos a partir de 11 anos. As oficinas exploram a expressividade corporal, a improvisação e o aprimoramento de técnicas básicas, com direito a certificado ao final do curso e uma demonstração artística para a comunidade.

Leia mais »
Garantianos
Folclore
Archipo Góes

Correcampenses x Garantianos

A crônica Correcampenses x Garantianos, narra a rivalidade entre os bois-bumbás Corre-Campo e Garantido em Coari, marcada por brigas e um episódio de violência em 1989. A retomada do festival em 1993 e a vitória do Corre-Campo geraram reações distintas. A crônica reflete sobre a polarização social, a cultura popular como identidade local e a importância da tolerância para a harmonia.

Leia mais »
Santana
Literatura
Archipo Góes

Um dia de Santana em Coari em uma Igreja Ministerial

O texto narra a vivência da festa da padroeira de Coari, retratando a devoção à Santana, a padroeira da cidade, e a importância da fé para o povo local. A narrativa destaca a movimentação do porto, a participação dos trabalhadores da castanha, a procissão, a missa e o arraial, revelando a religiosidade popular e a cultura local. A história do patrão e dos trabalhadores da castanha ilustra a exploração do trabalho na região, enquanto a presença do bispo e dos padres reforça o papel da Igreja Católica na comunidade. O texto termina com a reflexão sobre a fé, a esperança e a importância da preservação da tradição.

Leia mais »
Rolar para cima
Coari

Direiros Autorais

O conteúdo do site Cultura Coariense é aberto e pode ser reproduzido, desde que o autor “ex: Archipo Góes” seja citado.