Por: Redação | Coari-AM
O projeto “Crônicas da Resistência”, realizado no Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) da UFAM em Coari, promoveu oficinas de leitura e escrita de crônicas com estudantes, valorizando memórias culturais e vivências marcadas pela pandemia de COVID-19 e pela seca histórica de 2023. A iniciativa resultou no livro “Crônicas do ISB: criações, descobertas e revelações”, que reúne relatos sensíveis sobre o cotidiano, a cultura local e a vida acadêmica, fortalecendo o pertencimento, a memória e a resistência cultural na Amazônia.
Em meio aos desafios impostos pela pandemia da COVID-19 e pela seca histórica que assolou a Amazônia em 2023, um grupo de estudantes universitários do Instituto de Saúde e Biotecnologia (ISB) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Coari, protagonizou uma iniciativa que resgata, valoriza e eterniza as memórias culturais do povo coariense. Trata-se do projeto “Crônicas da Resistência: Leitura, Escrita e Memória Cultural no ISB-UFAM, Coari-Amazonas”, uma ação literária que resultou na publicação do livro “Crônicas do ISB: criações, descobertas e revelações”, lançado em setembro de 2024.
A iniciativa foi desenvolvida com apoio da Biblioteca Universitária da UFAM-Coari e contou com financiamento da Lei Paulo Gustavo, por meio de edital da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Turismo de Coari. O projeto mobilizou 48 estudantes dos cursos de Nutrição e das Licenciaturas em Ciências Biológicas, Química, Matemática e Física.
O bibliotecário Renato Mendes, o proponente do projeto, destaca com orgulho o papel essencial da biblioteca universitária nesse processo de fortalecimento da cultura e da educação. Segundo ele, “Acreditamos, de verdade, que a leitura e a escrita são ferramentas poderosas de transformação. Elas têm o poder de fortalecer identidades, resgatar memórias e construir pontes entre os saberes acadêmicos e as experiências de vida. E foi exatamente isso que a biblioteca buscou ser neste projeto: uma parceira acolhedora, um espaço de afeto, de troca e de construção coletiva. Mais do que livros e estantes, somos um lugar vivo, pulsante, onde o conhecimento se torna resistência, cultura e pertencimento.”
Literatura como resistência e cura
Muito mais que uma simples atividade acadêmica, o projeto se transformou em um potente instrumento de resistência, pertencimento e reconstrução subjetiva. Por meio da leitura e da escrita de crônicas, os participantes puderam refletir sobre suas próprias vivências, sobre a cidade onde estudam e sobre os traumas coletivos que impactaram a população local.
A professora Maria Aparecida Silva Furtado, uma das responsáveis pela condução do projeto, destaca que a proposta se fundamentou na ideia de que a palavra tem poder de cura, transformação e libertação. “Quando damos voz às nossas memórias, às nossas dores e aos nossos afetos, estamos não só elaborando o que vivemos, mas também construindo pontes com quem nos lê e perpetuando nossa cultura”, explica.
O escritor e historiador Archipo Wilson Cavalcante Góes, que também integrou a equipe, acrescenta que o projeto tem uma importância simbólica enorme para Coari. “A literatura que nasce das margens dos grandes centros carrega uma força que é, ao mesmo tempo, resistência e celebração da vida. Este livro é o testemunho de uma geração que decidiu não se calar diante das adversidades”, ressalta.
Como tudo aconteceu

O projeto teve início em março de 2024, com reuniões de planejamento e alinhamento entre a equipe executora e os alunos. A parte prática aconteceu entre maio e junho, estruturada em cinco oficinas literárias focadas no gênero crônica — escolhida por sua leveza, simplicidade e, ao mesmo tempo, profundidade na abordagem do cotidiano.
Na primeira oficina, os alunos foram apresentados ao gênero crônica, com leitura de textos de mestres como Rubem Braga, Fernando Sabino e Milton Hatoum. O objetivo era entender como o olhar sensível do cronista transforma o banal em poético, o simples em memorável.
A partir daí, os estudantes foram desafiados a produzir suas próprias crônicas, a partir de três eixos temáticos:
- Memórias da pandemia e da seca histórica de 2023: relatos emocionantes de perdas, superações e reflexões sobre os tempos difíceis que afetaram toda a região.
- Vivências no ISB/UFAM: histórias sobre a vida acadêmica, os desafios de estudar longe da família, os laços construídos na universidade e os bastidores da vida estudantil em Coari.
- Cotidiano e cultura de Coari: registros afetivos sobre a cidade, suas tradições, sua gente, suas festas, suas belezas naturais e seus desafios.
O processo não ficou apenas na produção individual. As oficinas incluíram atividades de leitura crítica, análise em duplas, revisões colaborativas e rodas de conversa. Cada texto passou por, no mínimo, duas rodadas de leitura e reescrita, sempre com feedbacks construtivos.
“A troca entre os colegas foi fundamental. A gente percebe que, muitas vezes, o outro enxerga na nossa escrita coisas que nós não vemos. Isso enriqueceu muito nossos textos”, comentou uma das estudantes participantes.
Da oficina ao livro
Após todo o processo de criação e aprimoramento textual, os textos foram organizados, revisados, diagramados e ganharam vida na obra “Crônicas do ISB: criações, descobertas e revelações”. O lançamento do livro aconteceu em grande estilo no dia 05 de setembro de 2024, no Auditório Rio Copeá, no próprio ISB/UFAM. O evento contou com a presença dos autores, familiares, professores, representantes da comunidade e autoridades locais.
O clima foi de celebração, emoção e muito orgulho. Cada estudante recebeu exemplares do livro, que também foi distribuído gratuitamente para escolas públicas, bibliotecas comunitárias e espaços culturais de Coari.
Mais que um livro, um legado
Além da publicação, o projeto gerou um relatório técnico entregue à Secretaria Municipal, com registros das atividades, fotos, vídeos e outros materiais que comprovam a realização da contrapartida social, conforme previsto no edital.
Para Wesley Souza de Oliveira, intérprete de Libras e também integrante da equipe do projeto, a ação reforça o papel da universidade na valorização das culturas locais e na democratização do acesso à produção literária. “Estamos falando de um projeto que, além de formar escritores, também forma cidadãos mais conscientes, sensíveis e protagonistas da sua própria história”, destaca.
O que fica dessa experiência?
O saldo desse projeto não se resume à quantidade de crônicas publicadas ou à beleza do livro entregue. Vai muito além. Fica a certeza de que, mesmo diante dos maiores desafios — sejam eles uma pandemia ou uma seca histórica —, a palavra escrita pode ser abrigo, resistência, denúncia, memória e, sobretudo, esperança.
Em tempos onde tanto se fala sobre a importância da saúde mental e do fortalecimento dos laços comunitários, projetos como o “Crônicas da Resistência” mostram que a literatura tem papel fundamental na construção de sujeitos mais fortes, mais conscientes e mais preparados para enfrentar o mundo.
“A escrita é, antes de tudo, um ato de amor. E esse projeto é, sem dúvida, uma declaração de amor a Coari e à Amazônia”, finaliza Archipo Góes
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